quarta-feira, 5 de março de 2008

É preciso atenção à retaguarda




É da Colômbia que os venezuelanos compram 40% dos ovos,e carnes, e outros alimentos que consomem, informou, ainda em dezembro, o excelente Fabiano Maisonnave, que, na Folha, vem, há tempos, mostrando os suplícios sofridos na Venezuela pelo povo afetado com o desabastecimento de bens essenciais.

Não creio que haja, nas Forças Armadas venezuelanas, ânimo para uma incursão contra a Colômbia, ainda que a decisão de Uribe, de violar fronteiras para aproveitar a chance de massacrar a guerrilha opositora, levante sobrancelhas dos militares de todo o continente. Chávez consegue, com a ação ofensiva de Uribe, legitimar seu esforço armamentista _ que, até hoje, é bom ressaltar, não foi suficiente para sobrepujar os investimentos militares de Chile, Brasil e da própria Colômbia (já falei disso em post mais abaixo).

Uma piora na crise andina dá a Chávez um bom argumento para justificar o desabastecimento de gêneros alimentícios, que contribui para detonar a popularidade do presidente venezuelano. Nada como um bom inimigo externo, para se culpar pelos problemas de casa. Uribe, no ano passado,chegou a proibir a exportação de gado vivo para a venezuela, porque a demanda vizinha estava ameaçando provocar pressões sérias sobre o preço da carne no mercado colombiano.


O noticiário mostra, porém, que, mais uma vez, a retórica histriônica de Chávez está algumas oitavas acima da realidade. As alfândegas venezuelanas já foram instruídas a deixarem passar alimentos e bens de primeira necessidade. Chávez conseguiu um bom pretexto para praticar o bom e velho protecionismo, retendo injustificadamente bens industriais na fronteira. Isso aumenta a insatisfação de consumidores venezuelanos com a cambaleante economia local, movida a base de dopping de petróleo.


O patriotismo, além de último refúgio dos canalhas, é a primeira isca dos inocentes e um velho gerador de irracionalidades. Chávez não nem canalha nem irracional, mas sabe como é fortificante uma boa enrolada na bandeira nacional. No filme do You Tube acima(na verdade, uma seqüência de slides), o mais interessante é a série de comentários, provavelmente de adolescentes, disputando loas e xingamentos sobre Colômbia e Venezuela. Hilariante é a reação de um garoto (espero) colombiano, que, acusado de invejar (envidiar) os venezuelanos, me sai com esse argumento:

"cual envidia,ustedes nos compran mas de 1800 millones de dolares al año en cosas, de aqui sale el mejor cafe, de barranquilla salio shakira, de medallo salio juanes,carlos vives,tod eso cual envidia,venzuela q le aporta al mundo,groseria y conflictos (Que inveja nada; vocês nos comprarm mais de US$ 1,8 bilhões ao ano em coisas; daqui sai o melhor café, de Barranquilla saiu Shakira, de Medallo saiu Juanes, Carlos Vives , tudo isso. Que inveja nada; Venezuela, o que aporta ao mundo: grosserias e conflitos)"

Quando Shakira é convocada para um conflito nos Andes entre Chávez, Uribe e companhia, nem rebolando se pode prever o que acontecerá.

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Nessa confusão toda, quem revelou uma maturidade de chefe de Estado foi o presidente Rafael Corrêa, que certos comentaristas, no Brasil, por motivos ideológicos, insistem em classificar no time dos porra-loucas esquerdistas. Sem gestos teatrais, ainda que suba o tom nas declarações aqui e ali, está fazendo o que lhe cabia, um périplo pela vizinhança, para obter apoio em uma reação contra Uribe. Considerando que há sérias acusações colombiabnas contra o Equador e Venezuela por suas ligações com as Farc, ele consegue, também, explicar o que pode ser apenas uma legítima negociação do governo equatoriano para liberar reféns e evitar problemas com os guerrilheiros. Usar o argumento de incursão preventiva, como fza o governo colombiano, é um péssimo precedente para a região.

As acusações de Uribe são graves, mas longe de serem incontestáveis. Algumas são verossímeis. Outras parecem recurso para desviar a atenção e legitimar a invasão que fez ao Equador.

Um detalhe interessante: os EUA, ao apoiarem a ação colombiana, a classificaram como ação contra o terrorismo, não contra o narcotráfico, costumeiramente apontado como a atual razão de ser das Farc. Claro que isso se deve à vinculação feita em Washington com a propaganda para justificar os atos dos EUA no Oriente Médio. Mas não deixa de ser curioso. Se o tráfico fosse a atividade principal da guerrilha, como explicar que se envolvam no complicado, trabalhoso e incerto ofício de seqüestradores, para sustentar suas atividades. Os vínculos das Farc com ot ráfico de drogas também são uma dessas certezas pouco provadas e pouco pesquisadas. Eu gostaria de ter mais infomações a respeito.

Também é melhor esperar mais informações que permitam dizer qual a natureza real dos contatos entre Venezuela, Equador e Farc, se é verdadeira a denúncia de financiamento por parte da Venezuela (verossímil, mas não provada). Me parece que essa tem sido a posição do governo brasileiro. Independentemente das evidentes simpatias de membros do governo brasileiro para com as Farc (as quais não compartilho), seria ingenuidade ou precipitação tomar partido nessa questão, no Brasil.

Enquanto isso, para melhor avaliação das chances de guerra na fronteira, trago aos bons leitores deste sítio dados para melhor avaliar as condições da mais bem guarnecida retaguarda colombiana:



8 comentários:

Anônimo disse...

Até onde pude acompanhar a entrevista de Rafael Correa, tive boa impressão das suas respostas firmes e bem colocadas. Quanta diferença do histriônico Chavez. Também tem se saído muito bem, o presidente Lula, com a prudência que o caracteriza e que neste caso é mais do que bem vinda.
Ser de esquerda não está nada fácil no Brasil. De um lado temos o maluco do Chavez, e do outro uma guerrilha que usa métodos abjetos de luta como sequestro. Nossa sorte(de quem é de esquerda) é que os oposicionistas são de um amadorismo que da dó. Vide Artur Virgílio e seus aviões com carregamento de armas.

Sergio Leo disse...

É isso aí, Marcos. Correa está, porém, caindo em um erro freqüente de Chávez, que é personalizar as disputas com governantes de outros países, se for verdade a transcrição de algumas de suas declarações a respeito de "governo canalha" na Colômbia e coisas assim. Mas ele tem a razão com ele, se provar que os contatos com as Farc estavam no âmbito das negociações com a guerrilha dentro dos interesses do Equador. Vamos ver se não pisa em cascas de banana, nem se deixa contagiar pela exuberância do vizinho mais de cima.

Anônimo disse...

sergio, se o equador estah abrigando um grupo cujo objetivo eh derrubar o governo da colombia, isso nao quer dizer que o uruguai jah estah em um estado de facto de guerra contra a colombia? e se um grupo radical terrorista brasileiro, que mantem refens centenas de cidadaos e invade nosso pais pra matar e roubar, estivesse todo confortavel na bolivia e o governo no evo nao dando a minima (ou seja, sendo conivente), nao seria justificado invadirmos a bolivia para atacar esses inimigos do brasil?

Anônimo disse...

Puxa, valeu mesmo. Tirou as palavras das minhas mãos, por assim dizer. Eu não entendo tanto de política internacional mas acho que você acertou na mosca. Também me sinto nessa posição difícil de esquerda que não apoia chavez (nem sei de onde tiraram que o cara é de esquerda, para mim é um caudilho de quinta) nem as Farc (pelo menos não o que são e representam hoje) mas o Uribe é indefensável e achar que pode invadir o país vizinho é demais.
Quanto ao que falou o último comentárista - o alex - não entendi como é que ele colocou o uruguai no meio dessa onda...mas tudo bem, cada doido com sua mania. Vim aqui por sugestão do Pedro Doria e agora vou lá agradecer a ele.

valeu
aiaiai

Sergio Leo disse...

Oioioi aiaiai, volte mais vezes.
Querido Alex, não entendi a primeira pergunta, mas, para a segunda, a resposta é não. Se isso acontecesse, o Brasil deveria recorrer à ONU, à OEA, ao Tribunal de Haia ou a outras instãncias políticas inetrncionais, que, se for o caso, até autorizariam alguma intervenção armada do Brasil no vizinho, com respaldo da comunidade das nações. Decidir por conta própria o que é ofensivo ao seu país e invadir o país dos outros por causa disso é uma doutrina que, até agora, o governo republicano dos EUA tentou emplacar sem muito sucesso de público na arena internacional, porque se sabe onde isso vai parar.

CFagundes disse...

Curiosa mesmo essa qualificação contra o "terrorismo" que a Casa Branca fez...
Sobre a ligação das FARC com o narcotráfico, me parece que o Fernandinho Beira-Mar tem bastante a dizer sobre o assunto. Ele fez algumas revelações à respeito quando foi capturado.
Outra coisa que me intriga é o triangulo Correa-Kouchner-Reyes. Sente só meu faro conspiratório: Se Reyes teve algum "consentimento" de Correa para estar em solo equatoriano, seria em propósito de uma negociação pelo resgate de Betancourt? Afinal, tanto Correa quanto Kouchner lamentaram a morte de Reyes. Correa já disse que Uribe agiu pra impedir esse valioso resgate e Kouchner já fez uma baita cagada alguns anos atrás, coordenando um resgate à força que foi um desastre...hummmm. Será que a França não tem um dedão nessa presepada?
Obrigado pelo blog, botei entre os meus favoritos.
Abraço!

Unknown disse...

sobre rafael correa vi uma entrevista dele a paulo henrique amorim que me agradou muito, ele negou a possibilidade de um conflito, também colocou as coisas sob um ponto de vista novo: se as farc invadem o território equatoriano elas são um inimigo, então seria justo o equador atacar a colombia? e mais as farc invadem o território do equador porque a colombia não tem controle de sua fronteira sul.
excelente blog, parabéns

Anônimo disse...

Sergio,
Sem querer ser tão cabotino como Jô Soares, mas já o sendo, o que eu acho é que a profecia do velho Alexander Pope na Dunciad (de "dunce"=pateta; portanto na Patetada)está cada vez mais próxima de se cumprir. Qual é a profecia? A de que o mundo vai-se acabar mesmo não em fogo nem em gelo, mas em besteira, pura e simples idiotice.
Abraços,
Joaquim.